quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Historiadores e Detetives: o detalhe cultural a partir de um modelo sistêmico

Em “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, a construção do texto se dá pela demonstração de como o ‘paradigma indiciário’ tem origens longínquas e circulou em diversas temporalidades. Ginzburg cita as sociedades caçadoras que interpretavam os sinais, os detalhes, para localizar a caça. Afirma que assim como para os caçadores, os médicos, psicanalistas e peritos em arte, o detalhe permite, mediante a elaboração de uma conjectura, criar hipóteses sobre as relações com que objeto mantém com uma dada realidade. Todavia, Ginzburg também verifica que o ‘paradigma indiciário’ pode ser estendido aos historiadores: o detalhe, entendido através de uma noção de cultura, por isso detalhe cultural, pode levar o historiador à compreensão de uma dimensão mais ampla e profunda do passado:


“Mas o mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle social sempre mais sutis e minuciosas pode se converter num instrumento para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem a estrutura social como a do capitalismo maduro. Se as pretensões de um conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais com veleidades, nem por isso a idéia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios - que permitem decifrá-la.” (GINZBURG, 2003, p.177)

Justapondo esse trecho ao texto do prefessor Hélio Rebello, podemos formular a pergunta: em qual noção de totalidade o historiador “ginzburguiano” está fundado para elaborar “uma explicação que, envolvendo a cultura e o movimento da história, pode reconstruir em eventos individuais a própria historicidade do homem”? (CARDOSO, 2001, p.6). Acredito que Ginzburg assume sua vinculação ao materialismo histórico quando diz que o paradigma indiciário pode ser utilizado para “dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem a estrutura social como a do capitalismo maduro”. Isso explica em parte os motivos pelos quais ele anuncia na primeira parte do texto que o paradigma talvez “possa ajudar a sair dos incômodos da contraposição entre “racionalismo” e “irracionalismo”. (GINZBURG, 2003, p.143). Entendo que “racionalismo” a que o historiador se refere, seja a capacidade do historiador de aferir a validade dos dados superficiais que mantém “conexão” a uma “realidade mais profunda” dos fenômenos históricos, “as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem a estrutura social como a do capitalismo maduro”.

De certa forma, Ginzburg, com sua argumentação tenta associar um modelo sistêmico – materialismo histórico – através de um paradigma interpretativo – indiciário ou semiótico. No entanto, a associação entre Holmes e o paradigma indiciário, através da semiótica médica, revelou-se, com sugerido pelo professor Hélio Rebello, superdimensionada. É bem provável que Arthur Conan Doyle, por intermédio do seu tio, tenha conhecido o método de Morelli ou por intermédio de outros “veículos de idéias” como sugere o próprio Ginzburg. Interessante que a palavra “superdimensionada” permite sair do campo do verdadeiro ou falso. Permite interpretar o movimento de Ginzburg a partir da valorização de certa familiaridade, relação entre os saberes de tradição semiótica, indiciária e literária.
1 “(...) Tudo isso sugere a possibilidade de um conhecimento direto do método morelliano por parte de Conan Doyle, por intermédio do seu tio. Mas trata‐se de uma suposição não necessária, na medida em que os textos de Morelli certamente não eram o único veículo de ideias como as que tentamos analisar” In: GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e das ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. SP: Cia. Das Letras, 2005, p.262.
Texto integral disponível em:

BUENO, Fábio Martins. Sherlock Holmes e Dupin: personagens que inspiram o método investigativo em história. In Anais do II Colóquio de Letras. Assis: UNESP, 2010.
http://www.assis.unesp.br/coloquioletras/int_conteudo_sem_img.php?conteudo=715

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